Uma carta chuvarada




Hoje recebi uma carta. Era uma carta que trazia noticias de longe, das montanhas de Minas Gerais. E falava de novidades. E falava também de tempos antigos.

Como um deserto que recebe a enxurrada de uma chuva de longe, me enchi de potencia de vida.
Os caminhos secos, pedregosos são locais em onde não nasce muita coisa. Claro que existem os animais que passam pelos caminhos rumo a outro lugar, rumo aos paraísos exteriores àquilo tudo. Às vezes é preciso passar pelo deserto para se chegar ao oásis... E sei também que pequenas plantas resistentes como algumas gramíneas tipo mato e outras rudiculas permitem certa vida, vida pouca, vida constrita em meio à secura. Entre elas, as plantas que crescem à beira dos caminhos duros são elas mesmas vida, e permitem que dela se faça alguma vida outra, abrigo ou comida, dos que passam ou dos minimos seres que moram ali (insetos, vermes, almas perdidas)... Acho que é por isso que gosto tanto das plantas que nascem nas frestas, nos cantos, nas beiras. Pura teimosia e um bocado de resiliência.
De qualquer forma essas existências minusculas não desqualificam a aridez. Elas a povoam. Povoam o chão rachado, pisado. Povoam as pedras, em sua dureza pontuda. Passantes mal deixam marcas, memórias. Apenas levantam poeira. A poeira que anuncia o trânsito, sujam suas folhas de quem fica e as sandálias de quem caminha, e formam nuvens breves que anunciam o passo passado.
 As nuvens de poeira são terra e fogo. As nuvens de poeira são anuncios do que se passa, experiências do que está passando. Marcam transitórias as ações de passantes. Não duram. Resquício de presente.

Hoje pela manhã eu passante levantando nuvens de poeira com minhas sandálias (ou botinas) atravessava certos desertos. Errante, andava buscando inspiração nas plantinhas secas, rudes, sem nome que sobrevivem à beira do caminho (desprestigiadas transgressoras). Será a presença resistência meu alvo? Tornar-me outra, tornar-me resistente, permanecer à beira do caminho, suportar desidratação, suportar? Esses pensamentos entravam em conflito com minhas achanças de que sou tão mole, tão verde, tão flexível... também resistia, como ainda resisto em ser ser que apenas atravessa. Ah, como desejo habitar! E desisto também do trânsito que busca paraísos pois sei que sempre existirão gatos na américa (aprendi com Fievel) e seguia levantando poeira, marcando minha travesia. Tenho cobrado de mim pertencer (per - perímetro, peralta, per-correr)- tem-ser. No caminhar nessa terra dura, olhando para a realidade desse chão pisado (porque não é novo o chão, falo de deserto sertão, não se engane, não se trata de deserto movente de areia fofa, que é outra história) não atentava para as nuvens de poeira que tenho levantado. Não me lembrava, com elas, das outras nuvens, aquelas de água, que chovem distantes, nas montanhas. Encontrei com a carta um sentido proliferado de saudades. Saudades são nuvens que chovem ao longe. E vêm inundar de ourtas possibilidades as terras distantes com riachos (in)esperados. Sim a carta foi uma surpresa, mas daquela que reconhecemos, que nos é cara, que nos é desejada sem saber... Nuvem esperada que chega sem anunciar.

Me sinto seca por não estar a escrever com escrituras que se espalham daninhas. Gosto das digressões, de me apartar do caminho direto, de conectar com outros pensamentos. Quero abrir sempre, proliferar sempre, nunca chegar. Gosto dos textos que se abrem para múltiplos sentidos, des-via. Me seca o denotativo, o objetivo e o pragmatismo. Sêca é onde é dificil criar, pro-criar.  Na superfície de tudo isso, desse sertão, qualquer raiz ou broto ou braço que cresça durante a noite seria dessecado pelo forte Sol da manhã. Na superfície não há como se esconder, como gestar. É na sombra que o frágil se fortalece, e esse Sol, escaldante, só tolera troncos rústicos, braços fortes, cascas grossas, que guardam o âmago protegido por espessas cascas, espinhos, carne morta, cutículas, queratina. Desnuda, ou tenra, qualquer broto de mim se extinguiria no cilco de um dia.





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